AB SESIMBRA

Existimos para glorificar a Deus, fazendo discípulos de Jesus Cristo de todas as Nações, até que Ele volte.

terça-feira, dezembro 12, 2006

A longa epopeia dos direitos humanos

Por decisão soberana das nossas autoridades iremos nos próximos meses acumular às nossas muitas preocupações a discussão da questão do aborto. Trata-se de um tema polémico em que a sociedade está dolorosamente dividida, com razões fortes dos dois lados. Mas, ao mesmo tempo, devemos lembrar que esta discussão de valores básicos e vitais constitui uma longa tradição na civilização moderna. Embora neste caso com duas diferenças importantes.
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Os últimos séculos do mundo ocidental incluem uma sequência de debates deste tipo. Há 200 anos discutiam-se os privilégios da nobreza e a igualdade perante a lei; há 150 lutava-se contra a escravatura e a pena de morte; há 100 anos debatiam-se os direitos das mulheres e a democracia; há 50 a igualdade das minorias étnicas, dos judeus aos negros. Muitas vezes estes assuntos arrastaram-se, pelo que todas as gerações recentes se encontraram divididas por temas fundamentais. A discussão do aborto e outras conexas - eutanásia, droga, casamento, família - toma hoje o lugar de velhas lutas.
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Não faltam os que, precisamente por isso, consideram o combate pela liberalização do aborto como o próximo passo na longa e majestosa epopeia de afirmação dos direitos individuais. Esses consideram os que se lhe opõem como relíquias obscurantistas e retrógradas que serão pulverizadas pela simples passagem do tempo. Mas a realidade é precisamente inversa.
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Os termos da discussão são claros. De um lado temos os que defendem um princípio fundamental. Antes era a igualdade de todos os cidadãos, o direito à vida dos condenados ou à liberdade dos escravos. Hoje é o direito à vida do embrião. Confrontando esta posição simples e fundamental, o outro lado apresenta uma enorme quantidade de interesses particulares. Os antigos absolutistas, esclavagistas, racistas e totalitários diziam proteger velhas tradições e privilégios, benefícios económicos concretos, vantagens comunitárias específicas. Contra esses, a luta pelos direitos fundamentais sempre se baseou na tese de que a conveniência sócio-económica de alguns não podia justificar a angústia, escravização ou morte de outras pessoas. Foi sempre assim que se combateu a opressão e discriminação.
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Hoje, do mesmo modo, alguns invocam a conveniência sócio-económica para liberalizar o aborto. Esses falam de múltiplos temas e aspectos, dos julgamentos de mulheres às práticas clandestinas, passando pela desigualdade social. Têm razão em muito do que dizem. Mas contra eles está apenas a superioridade do direito fundamental à vida. Os abortistas, ao negarem o igual estatuto humano ao embrião, fazem precisamente o mesmo que os antigos racistas e esclavagistas faziam às suas vítimas. Pelo contrário quem defende a vida dos mais fracos, daqueles que não se podem defender nem têm voz na sociedade, são os que querem manter a proibição do aborto.
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Existem, porém, duas enormes diferenças neste debate que merecem destaque. A primeira é que desta vez a discussão pretende ser feita por vias legais. Antigamente o combate pela liberdade e igualdade desenrolava-se na sociedade, mas a luta pelo aborto parece fazer-se pela convocação de um referendo. Todos fingem que uma votação vai decidir a questão. Depois, como se viu há oito anos, nada fica resolvido, porque o problema não é regulamentar, é humano. Mas as autoridades insistem na mesma via, convencidas ingenuamente de que assim se arruma o caso.
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A segunda diferença é que antigamente quem lutava pelos direitos básicos desafiava a lei estabelecida. Eram os códigos milenares que estabeleciam os interesses da aristocracia, a abjecção dos escravos, a humilhação da mulher e das minorias étnicas. E foi a luta social que mudou esses pergaminhos. Mas, desta vez, a lei nacional prescreve há muito tempo o direito à vida de cada ser humano desde a sua concepção. Assim, a defesa do direito fundamental faz-se dentro do quadro legal, e são os que o querem atacar, por razões de conveniência sócio-económica, que desejam alterar a lei.
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Este último ponto é muito significativo. Ele mostra como, ao contrário do que se afirma, este confronto não representa um passo na majestosa luta pela afirmação dos direitos individuais. O que está em causa não é alargar os direitos, mas reduzí-los. Liberalizar o aborto, mesmo por razões compreensíveis, destrói sempre um valor muito superior. A luta é pois para evitar um primeiro recuo na trajectória civilizacional dos direitos humanos.
João César das Neves - DN 11.12.2006

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Muito bom o artigo. Ressalata-se o facto de que foi escrito (penso eu) por um não-evangélico. Devemos como ele, sempre que possível, nos manifestarmos contra esta possível liberalização do aborto. Sidnei

terça-feira, dezembro 12, 2006 3:10:00 da tarde  
Blogger Tinoca Laroca said...

Artigo muito interessante, sem dúvida.
God bless you.
T.

terça-feira, dezembro 12, 2006 4:02:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Concordo, não faz sentido retroceder no avanço civilizacional que já conquistamos! Pela vida e com a Vida, sempre. Zé Pedro

terça-feira, dezembro 12, 2006 5:46:00 da tarde  

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